Vozes da Europa: Comentário

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Comentário do momento por:Débora Toureiro

Entre a Resistência e o Risco Nuclear

A recente vitória de Trump, acompanhada pela sua promessa de rever a assistência militar e financeira à Ucrânia, suscitou inquietação no cenário europeu. O seu regresso político intensifica o receio de que a Europa fique isolada no apoio à Ucrânia, uma nação profundamente devastada pela guerra. Neste contexto, é essencial que os europeus estejam prontos para atuar de forma independente, sem depender das decisões norte-americanas. Enquanto a Rússia mantém os seus ataques, torna-se imperativo que a União Europeia continue a apoiar a Ucrânia na sua defesa, reforçando o compromisso com a estabilidade e segurança regional.

Cinco das maiores potências europeias - Alemanha, França, Polónia, Itália e Espanha - juntamente com o Reino Unido, anunciaram uma proposta para reforçar a indústria de defesa da União Europeia, num movimento descrito pelo ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia, Radek Sikorski, como “um grande avanço”. A iniciativa pretende fortalecer a capacidade militar europeia para enfrentar as “ambições imperialistas” da Rússia, em resposta à crescente ameaça representada pela revisão da doutrina nuclear russa e à utilização de mísseis de longo alcance pelos ucranianos. O ministro Sikorski destacou ainda a necessidade de uma partilha equilibrada de responsabilidades de defesa dentro da NATO, especialmente à luz da expectativa de um envolvimento menor dos Estados Unidos sob a futura administração de Donald Trump.

Esta decisão europeia reflete uma crescente preocupação com a segurança coletiva, diante de um conflito que já perdura há mais de mil dias e que resultaram em novos desenvolvimentos estratégicos e diplomáticos, face à confirmação do primeiro ataque ucraniano com mísseis de longo alcance fornecidos pelos Estados Unidos. O alvo foi um arsenal logístico na região de Bryansk, próximo da cidade de Karachev. Embora as autoridades militares russas tenham reportado a interceção de cinco mísseis e danos mínimos, fontes ucranianas afirmam que o alvo continha munições de origem norte-coreana.

Este ataque ocorre após a autorização do presidente Joe Biden para o uso de mísseis “ATACMS” em território russo, em resposta ao crescente apoio militar da Coreia do Norte à Rússia, um fator que tem gerado forte preocupação no Ocidente. Esta decisão marca uma mudança importante na postura internacional, que até então, os países ocidentais, nomeadamente os EUA e Inglaterra, como fornecedores de armamento à Ucrânia, sempre impediram a utilização deste tipo de mísseis para atacar território russo, apesar dos repetidos apelos de Volodymyr Zelenskyy.

 

Em retaliação, Vladimir Putin retificou a doutrina nuclear russa, ampliando as condições de uso do arsenal nuclear. De acordo com a nova atualização, qualquer agressão contra a Rússia por um Estado não nuclear, se apoiada por uma potência nuclear, será considerada um ataque conjunto, justificando uma resposta proporcional, nomeadamente com armas nucleares.

Esta revisão deverá ser interpretada como uma iniciativa simbólica de marcar de posição ou uma ameaça séria? Todas as iniciativas que aumentem o âmbito de atuação nuclear devem ser encaradas com o máximo de cautela. Desde o início do conflito, a Rússia já tinha alertado para o risco de uma escalada da guerra caso os EUA suspendessem a proibição ao uso de mísseis avançados pela Ucrânia. Essa restrição, até ao momento, tinha sido respeitada. É certo que o mundo vive hoje sob uma nova era de protagonismo da ameaça nuclear. A questão é se estará a normalizar o termo da utilização de armas nucleares. A banalização deste tema não só eleva o patamar do conflito, como também coloca em risco a segurança europeia e a ordem mundial como se conhece.

A UE alertou que as recentes alterações na doutrina nuclear da Rússia constituem uma grave ameaça à ordem global, sublinhando a importância de intensificar o diálogo com os parceiros internacionais para reduzir os riscos de uma escalada. A Presidente Ursula von der Leyen destacou que a resposta europeia será fundamentada na diplomacia e pelo aumento significativo no apoio militar e económico à Ucrânia. A recente eleição americana ampliou as preocupações sobre uma possível redução do apoio norte-americano à Ucrânia, o que colocaria a Europa na linha de frente como o principal pilar de resistência. Nesse contexto, a UE precisa de avançar rumo a uma maior independência estratégica, reforçando a sua capacidade militar conjunta e implementando sanções mais severas contra a Rússia.

O ataque ucraniano dominou ainda a recente Cimeira do G20 no Brasil, onde França e Alemanha acusaram Putin de estar a agravar a situação de guerra, mas, curiosamente, Biden evitou pronunciar-se publicamente.

Será esta escalada de poder um verdadeiro ponto de viragem da guerra? A resposta não é clara, mas a Ucrânia deverá aguardar uma retaliação inevitável de Moscovo. Este aumento das tensões e o envolvimento direto de novos atores, como a Coreia do Norte, demonstram que o conflito está longe de uma resolução e os próximos meses serão decisivos para determinar o futuro da Ucrânia, da Rússia, da UE e da estabilidade global.

 

Débora Toureiro é uma entusiasta de assuntos europeus, formada em Relações Internacionais, a frequentar o Mestrado em Economia Internacional e Estudos Europeus, estagiária atual na YEPSO e com experiência anterior no Centro de Informação Europeia Jacques Delors.
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