Vozes da Europa: Comentário 2

Vozes da Europa: Comentário 2

Comentário do momento por:Andreia Soares e Castro

Aprofundar a integração europeia não é apenas uma escolha estratégica,
mas uma necessidade imperativa

A crescente complexidade da vida internacional e dos desafios geopolíticos contemporâneos sublinham a necessidade de a União Europeia (UE) assumir um papel mais assertivo e coeso no mundo. Mas para que isso aconteça é necessário mais integração.

O debate sobre o papel da UE no mundo, que adquiriu o estatuto de potência económica e comercial, mas não o equivalente em termos políticos, militares ou de segurança, não é novo, mas é cada vez mais necessário. Contudo, não se esperem grandes revoluções, mesmo que as circunstâncias internas e externas as possam justificar.

Neste debate, esquecemos com frequência que a UE não é um superestado, não podendo ser comparada aos EUA ou a outras potências mundiais em termos de processo de tomada de decisão. De facto, a UE é uma organização sui generis, com uma estrutura institucional complexa e processos de decisão mais demorados, que envolvem a negociação entre diferentes instituições e que refletem a necessidade de equilibrar múltiplos interesses, incluindo os dos governos.

Isto explica que a UE não foi criada para reagir rapidamente a situações inesperadas, agindo apenas com base numa atribuição de competências consagrada nos Tratados. E nos domínios da política externa, segurança e defesa a competência reside nos Estados-membros. Ou seja, embora exista uma PESC, em momentos críticos, prevalecem as políticas externas de cada um dos Estados-membros.

Assim, e apesar de a UE ser uma das maiores economias mundiais, um dos principais intervenientes no comércio global e, juntamente com os seus Estados-membros, o maior doador de ajuda ao desenvolvimento, a UE continua a ter um papel limitado na política externa. A manutenção do princípio da intergovernamentalidade nos domínios mais caros à soberania dos Estados tem consequências diretas na UE, que assim (ainda) não dispõe de um poder autónomo para agir de forma eficaz na vida internacional, sendo por isso frequentemente percecionada como um ator internacional fraco, lento e incapaz de tomar decisões eficazes.

Enquanto os Estados-membros não transferirem mais poder para as instituições europeias no domínio da política externa, mas também nos domínios da segurança e defesa, a UE continuará a ser um ator internacional inconsistente.

Ora perante a crescente complexidade da vida internacional e dos desafios geopolíticos contemporâneos, onde, entre muitos outros, se incluem uma Rússia hostil e uma administração norte-americana liderada por Donald Trump, cujas políticas e atitudes afetam diretamente as relações transatlânticas, é premente que os Estados-membros reavaliem e adaptem as estratégias da UE em várias áreas.

A abordagem unilateral da administração Trump em questões como a imposição de tarifas sobre produtos europeus, o ceticismo em relação às organizações internacionais e acordos internacionais e negociações diretas com potências como a Rússia, excluindo os aliados europeus, evidenciam a necessidade do reforço das capacidades militares e de uma maior autonomia estratégica da UE para garantir a sua própria segurança. 

Se é verdade que o “chapéu de segurança” dos EUA permitiu ao projeto europeu desenvolver-se política e economicamente, hoje, esta dependência do apoio militar norte-americano, está a tornar-se um problema estratégico. Somem-se as dependências em relação à Rússia e à China (gás e matérias-primas respetivamente) e torna-se evidente porque é que uma política energética comum e a diversificação das cadeias de abastecimento são cruciais para reduzir estas dependências externas e para aumentar a resiliência económica dos Estados-membros da UE.

Note-se que nenhum dos Estados-membros da UE tem por si só a força nem os recursos necessários para fazer frente a estas ameaças e, em 2050, nenhuma economia europeia estará entre as 10 mais importantes do mundo. Simultaneamente, a UE enfrenta desafios internos, como a fragmentação política e o crescimento de partidos populistas, que desafiam as tradicionais coligações centristas, que têm estado na origem da formulação das políticas da UE, impactando negativamente a unidade e a capacidade de ação conjunta da União.

Continuar a fazer a escolha da ação coletiva e do valor acrescentado da UE parece ser, assim, evidente, mas nem sempre ela é consensual ou linear.

Em 2024, foram apresentados à Comissão Europeia três Relatórios, que analisam os desafios que a UE enfrenta atualmente: o Relatório sobre o futuro da competitividade europeia de Mario Draghi, o Relatório sobre o futuro do mercado único de Enrico Letta e o Relatório sobre a preparação e prontidão civil e militar de Sauli Niinistö. Estes Relatórios fornecem recomendações estratégicas para abordar questões críticas, como a fragmentação política e o crescimento do populismo (Relatório Letta), a inovação, a descarbonização, a diversificação e a competitividade económica (Relatório Draghi), a segurança e a autonomia estratégica (Relatório Niinistö).

É de sublinhar que todos os Relatórios apontam a necessidade de avançar no processo de integração da UE e do fortalecimento da autonomia e segurança da UE. Os três documentos reconhecem ainda os desafios orçamentais e a necessidade de investimentos significativos em áreas estratégicas para enfrentar os desafios atuais. Acresce que a implementação destas propostas exigirá vontade política e cooperação estreita entre os Estados-membros.

Outro aspeto importante a salientar é que investir em capacidades de defesa autónomas, continuar a apoiar a Ucrânia (incluindo a sua reconstrução), promover tecnologias de ponta, apoiar a transição energética, dar resposta aos fluxos migratórios, às catástrofes naturais e às crises humanitárias, entre muitas outras prioridades da UE, custará muito dinheiro. Por outro lado, os recursos atuais podem já não ser suficientes para as ambições da UE, remetendo para o debate sobre a dívida conjunta, defendida por Draghi no seu Relatório, entre outras soluções possíveis. Perspetiva-se assim que a negociação do próximo Quadro Financeiro Plurianual (2028-2034) seja difícil, o que não é uma novidade, dado que exige sempre a unanimidade entre os Estados-membros.

Em suma, se a integração europeia tem sido fundamental para promover a paz, a estabilidade e o progresso económico entre os seus Estados-membros, num contexto global cada vez mais competitivo e desafiante, aprofundar esta integração surge como uma estratégia essencial para assegurar a relevância e o futuro da UE na vida internacional.

Andreia Soares e Castro é doutorada em Relações Internacionais pelo ISCSP- Universidade de Lisboa, onde é Professora Auxiliar.
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